domingo, 6 de novembro de 2011

Estados bífidos

Zzzzz, hummmm...

Não sei o que aconteceria ao mundo (ao resto deste mundo!) se tivessemos polígrafos à nossa disposição para qualquer situação diária. Certamente que teria de ser alguma coisa mais discreta, talvez uma espécie de spray que, ao absorver os tons de voz, o ambiente, a assim chamada energia, despoletasse um cheiro a esturro, ou assumisse uma cor de burro quando foge em plena atmosfera quando o interlocutor em causa estivesse a ser falso, cínico, dissimulado ou simplesmente dúbio. Era coisa para dar o seu trabalho a inventar e quem sabe o QREN desse uma perninha, mas iria sempre levantar a sua carga de desconforto presumindo-se que, às tantas, o visado iria associar as suas tonteiras/dissimulações/falsidades a cheiros e a cores fora de série.

(Terão de me perdoar, estou ainda sob o efeito da constipação provocada pela famigerada descarga de água de todos os céus desse célebre 2 de Novembro, e pode ser que delire um pouco.)

É que mesmo aos 35 anos continuo a questionar-me se, por vezes, aquela pessoa estará a ser querida, solícita e boa onda, ou se enveredou, por estratégia de necessidade ou de macerada hipocrisia, por uma senda aparentemente bondosa e descomplicada. Sucede, por exemplo, em alguns elogios que nos podem fazer em privado, mas que por qualquer razão não fizeram em público, quando o assunto era comezinho. Ou quando essa certa, determinada e aludida pessoa exibe um olhar e uma carranca ferozmente mudos mas passado um momento sugere um lanchinho futuro. (Esturro, esturro, esturro?)

As pessoas predominante e marcadamente frescas, melífluas e joviais no seu trato levantam-me algumas suspeitas, penso sempre a quanto custo manterão essa fachada de alardeado equilíbrio e de pródiga simpatia. Mas reconheço que posso cair na esterilidade do preconceito.

Ora bem, postas assim as coisas, apraz-me concluir que cautelas e leite de aveia com chocolate quente nunca fizeram mal a ninguém. Afinal, a nossa ajuda a todos. Mas a nossa intimidade e confiança só para os escolhidos (mesmo que alguns destes possam mudar). Vero?

4 comentários:

Pagu disse...

Temos que manter sempre um olho na burra e outra na cigana.

Ouvi um provérbio de que gostei muito e que se aplica aqui: "o que é demais é como o que não chega". Para bom entendedor.....

O equilibrio, o bom senso, a astúcia temperada com alguma dose de esperança na humanidade....quiçá seja parte do segredo de continuarmos a conseguir olhar e falar, ou pelo menos balbuciar, uns com os outros.

Tamborim Zim disse...

Pois. cof...hum....poiz poiz.

Imperatriz Sissi disse...

Este post vem ao encontro de uma máxima minha que tem andado na ordem do dia: quem é amigo de todos, não é de ninguém. Muito cuidado com os bajuladores e com as centopeias que nos afagam o ego. Quando vejo uma pessoa, como diria Nabokov " toda peçonha e mel" sinto logo medo, muito medo...
Recordo sempre o conselho de Maquiavel: deixai os lambe botas adular-nos à vontade, mas há que manter um grupo de gente autorizada a dizer-nos a verdade nua e crua.

Tamborim Zim disse...

O "toda peçonha e mel" é admirável! E, sim: a auto-crítica tb nos permite salvar de muito embuste.
Mas por vezes há dubiezas, há limiares, e nesses casos o nosso discernimento, alerta e, vamos lá, palpite, conhece um desafio suplementar. Gostei tanto da Vosa ilustre visita, obrigada Imperatirz Sissi.