segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

De uma implosão transmuscular

Desconsol - Josep Llimona

Eu sei, eu sei o que vão dizer e sei que será tudo verdade, ou pelo menos a maior parte: há quem esteja realmente mal, infinitamente pior, doente, com a família doente, sem família, sem trabalho, sem casa, etc., etc.. É vero, é incontestavelmente vero, e nem eu me atreveria a argumentar o contrário. Mas não vamos esquecer, gentis companheiros silentes destas minhas linhas também sem fio de voz, não vamos esquecer que cada um tem os seus males, se debate com os espinhos e os calhaus do caminho, e que, sem sombra de dúvida, este mundo pesa a todos.

Em alguns momentos, toda a Antiguidade, a Anterioridade, todo o Ser me pesa. Circunstanciadamente, percebemos as multímodas imperfeições do que nos rodeia, pior: as perversões do que nos rodeando, nos aprisiona também. Do que nos supõe, do que nos cerceia. O mundo e o seu sistema nauseabundo insistem em ver-nos como fotocópias seriadas uns dos outros, como previsíveis programas de comportamentos que alimentam os seus perniciosos engenhos. Não tentem ser o grão de areia na maquinaria, ou serão esmagados, não procurem ser ouvidos, ou tentarão reduzir-vos à mudez. Não saiam do rebanho, porque os lobos maus não têm patas nem dentes a medir. E esgaçam mesmo, minhas delícias.

Que importa a palavra de honra, que importam luxos supérfluos com nomes sonantes como "honestidade"? Comer-se-á isso com quê, interrogam-se os canibais. Os canibais da nossa motivação, da nossa individualidade, da nossa pequena esperança, da nossa dignidade, dos nossos corações. Que importam a nossa tristeza, a nossa amargura, as nossas dores no peito, perante a impassibilidade frígida da retilínea estultícia do mundo, da sua congelada cegueira desprovida de bengala, de cão-guia, de tato, da maciez do toque? Qual é o valor de uma verdade quando uma mentira se digere melhor?

Penso no Munch, penso no Antonioni e nos seus gritos, penso no meu querido Ginsberg e nas suas dores na cabeça e sei que, como ele dizia, "comemos sanduíches de realidade". Sinto que agonizamos sem beleza, sem beijo e sem embarque. A dor e o abandono irmanam mas rasgam também, rasgam e separam irreversivelmente. Dar murros em pontas de facas não é realmente uma experiência formosa que nos assista. Coitadinhas das facas, que nefandas as nossas mãos, aos olhos míopes do mundo.

Precisamos de lírios nesta depressão planetária. De unguentos, de setecentos sóis. Precisamos de uma cama do tamanho da lua. E mesmo assim, não sei se nem assim.

Às vezes nem todos os braços da noite são suficientes para nos embalar e reconceber na sua vertigionosa placenta, na sua imaginosa ciência de olvido e  fecundação.

2 comentários:

Pagu disse...

Extraordinário post, a discutir o primeiro lugar com muitos que por aqui já foram escritos.

Soberbo! Sublime!

Qualquer palavra a mais dita sobre este post é ofender o mesmo.

Bem haja Tambo!

Tamborim Zim disse...

Minha querida Pagu! Qto prazer, mas sem palavras. Ainda assim, muito obrigada! É dos teus olhos talentosos e da tua empatia infatigável:)