terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A celebração laboriosa da renovação

Falésias do Sul. Appledore - Childe Hassam (1913)
 
Havendo o frio, que este cante melodicamente, mas de forma decidida e cortante, como fogo desde o fôlego do frio, para aclamar a frescura. Vigore o vento, que o mesmo dançarino desassombrado tudo desarrume e desassombre, ponha fora do lugar para que se restabeleça por maiores sentidos a harmonia precisa. Sendo chuva, que lave o ar, as palavras e memórias, os planos para que possam ser não exatamente os mesmos, mas os melhores e mais altos ao serviço da nossa necessidade e da nossa inestimável demanda. Fluidifiquemo-nos, edificados e sãos. Sabemos que o nosso mérito é mui discutível; mas ainda assim. Que a água apare as bordas do mundo e a gentilíssima compleição da rosa e nos dê caminhos aprazíveis e nutridos de vivificante seiva. Do escuro provenha um outro escuro, um mais denso mais pontilhado negrume em que por vezes estrelas estrelejem, luas luzam, mas sobretudo que um iniciático porvir desabroche desse maturar enriquecido da ausência de distração. Quando luz, que se espraie, esplendorosa, e nos alague num maravilhoso contorno de cores justas, de não distorção, mas de apelo ao paraíso cultivado do possível. E que do sol mais frutado do tempo brote a imarcescível diafaneidade do bom, do bem, e que se prolongue, e que nos tanja, e que tanto nos soletre e nos dance num soneto bem-aventurado, a brindar com cálices cheios da melhor espuma de esperança, que aguardara em envelhecidos barris franceses de 1832, diretamente para o presente e para banhar o futuro que germinará do novo, no maior derrame de labor fermentado pela melhor vontade.
 
Todas as coisas boas para todos, em 2014 e sempre.
 
Feliz Ano Novo!

Ingredientes únicos, pessoais e intransmissíveis

Mirem a barrinha lateral e o seu novo poema.

Lembram-se do PAF? - Súmula balançada de 2013

Próxima paragem?
 
Pois isto nada como dar umas miradelas aos posts que se foram escrevendo ao longo do ano para aclimatar o balanço do cujo.
 
Em geral, gostei mais de 2013 do que de 2012. Mas do acrónimo plenipotenciário PAF (Poupança, Ação e Fruição), que preconizara para o ano agora findo, apenas se salvou a Ação e parcialmente, porquanto no terreno exclusivo do labor, e a Fruição: muita música ao vivo com o advento magnífico no Ano do Brasil em Portugal e de Portugal no Brasil, através dos inesquecíveis espetáculos cheios de cor, luz e som do Espaço Brasil. Saudades já! A confirmação do interesse pelo jazz, ai que bole, e deixa bolar. Muita deambulação europeia, alguns rostos novos de cidades nunca vistas, muitas exposições de pintura apaixonantes, muito boa escultura. O regresso à leitura, com excelentes exemplares, com revisitações e descobertas absolutas. Eia, eia, eia. O regresso langoroso, dado, extático, ao mar! A fruição campestre no Verão e no Inverno. Ter explorado Paris com os meus Pais.
 
Quanto à Poupança, nicles: nem de euros, nem de desgaste. Apenas em certos detalhes muito específicos. Os males do mundo, a falta de cortesia, de ordem, de respeito e de civismo continuam a pôr-me adoudada, e isso não pode replicar-se no vindouro conjuntinho de dias, não pode. Não é o "junta-te a eles", mas o "defende-te do que te aleija a ti". Inventei agora, parece-me que bem. Deceções pesadas, pois que também vieram no cardápio. Sentimentos de esquecimento e de injustiça, de desmotivação irracional. Mas também surpresas delicadas, boas pessoas que se encontram, a iniciação à meditação, a genuína procura de algum adestramento, ainda que com tantos auto-escolhos. O auto é o problema. Posso dizê-lo, porque sequer jamais tentei tirar a carta de condução!
 
Todavia alguma coisa importante começou, uma pequena seletividade, uma pitada de recomeço e de redirecionamento. Proto-ação? Proto-ação comilão? Assim o espero, assim o espero.
 
Ano de muita intensidade em vários momentos, e de demasiada lassitude em aspetos particulares que precisariam de sol, de sal, do A do PAF!
 
Eh bien, nada a fazer (agora), o ano findou. Que o que de bom trouxe se expanda, e que o mau regrida, até se extinguir.
 
Que, de essencial, as grandes felicidades se mantenham.
 
Byezinho 2013, o ano em que tomei banho no mar Báltico... com friozote! ;)

sábado, 28 de dezembro de 2013

A importância de reler

Reading woman in violet dress - Matisse
 
Continuando em retiro campestre, dentre chuvas e ventos, jardins muito aguardados de céu azul e mais chuva, e já agora o seu pedaço de frio, celebro o facto de ao longo deste ano ter lido mais do que nos últimos tempos. Talvez há muito tempo não lesse tanto (não sendo muito), e com esta frequência, e isso alegra-me de facto. Deve dar uma média de um livro por mês.
 
Como já vos disse, ou se não disse pensei dizer, reli A Capital 16,5 anos depois da primeira vez, numas férias também campestres, também aqui. Ler o Eça no campo tem um sabor ainda mais intenso, ainda mais... queirosiano. Mas que bom. Claro que não menos do que amei a releitura, não me lembrava de praticamente nada, a não ser da marca do Eça, que percorre tudo quanto toca.
 
E na sequência dessa leitura, mais uma vez me assaltou a ideia de que é importante reler a literatura que nos é essencial. Passar quase 20 anos sem revisitar estas pérolas é uma perda enorme no nosso património cultural, estético, humano. Assim sendo, porque não tirar uma parcela das leituras do ano novo para as releituras? Hum? 3, 4 releituras por ano, não magoa e pode ser tão instigante quanto da primeira vez. Assim com os discos, também, com os filmes... E quantas vezes resistimos a rever aos quadros que nos fazem vibrar? Que jorre em nós continuamente o que por nós for amado. Para além disso, e como dizia o bom do Heraclito, "Não se entra duas vezes no mesmo rio".
 
Brinde a todas as boas leituras.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

A Diva está entre Vós

 
Matem o estilo da botilde sem marca do Jumbo. Este blog é do glamour, carago!
 
 
Meus repenicados, cristalinos, algodónicos, tenazes, resilientes e encantadores leitores, quantos perdões precisareis que implore por esta ausência marota e tanta? Mil, muitos mil! Aqui estão, com uma vénia sincera aos meus seguidores e leitores inefáveis.
 
Não fiz de propósito, mas há precisamente  um mês que aqui não escrevo. Não vos iludais, porém! A Alegoria não acabou, pelo contrário. Espero que de hoje em diante a possa regar com maior regularidade, mas também sabem que gosto de manter o número de compromissos no mínimo possível!
 
Há tanto a dizer, a comentar, a bitaitar, que é difícil recuperar em algumas linhas todo um mês. Mas tentemos.
 
A notícia mais relevante, a da morte do grande homem Nelson Mandela. Madiba, que tamanho de exemplo, que budismo sem budismo, que religião sem liturgia, que bondade e paz inspiraste. A recordar e a vicejar sempre no jardim da nossa humanidade. África do Sul, prossegue o teu destino e usa as tuas maravilhas.  Não deve ser fácil ter uma besta vil como o Zuma no poder, assim que possam livrem-se dele, olhem o exemplo maior!
 
Os meus Pais queridos, sublimes, maiores, fizeram 50 anos de casados, Meio século, garanto que é  sério. No meio de tudo, álbum de fotos e recordações várias, ainda obsequiaram os filhos com presentes lindos. Gratidão e amor.
 
Este ano laboral foi o mais diferente de todos da minha vida. Muitas viagens pela Europa, uma iniciativa apaixonante e que me apaixonou, com conteúdos em que amei ter trabalhado, mas agora é hora de mudar. Foi com um paradoxo de tristeza e de alegria que passei a pasta voluntariamente. A reciclagem ajuda a manter a frescura, mas não esquecerei a intensidade, os destinos, as ideias e pessoas com que me cruzei.
 
Acabei de ler A Descoberta do Mundo, umas crónicas da Clarice Lispector. De pormenores prosaicos da domesticidade às grandes questões da vida, da solidão que vara as noites a episódios graciosos e divertidos, Clarice simplesmente deslumbra (como sempre, é impossível ser diferente) nestas quase 700 páginas. É uma introdução maravilhosa a esta escritora, a melhor que conheço, para quem ainda não teve o prazer. Brindem-se com este presente inesquecível para o Ano Novo!
 
Como sabem, o meu coração anseia, como numa procura desenfreada pela ancestral natureza, por recolher ao campo sempre que possível. Este, e pela primeira vez na vida, estou a passar as férias de fim de ano na amada terra do meu Pai, no coração central, verde e viçoso, com montanha, com aventura, com mistério, deste nosso País tão bonito. Quanto mais se viajar, mais se pode concluir que temos um País para lá de cativante, diversificado e tão, tão bonito. Campo maravilhoso, extenso, doce, agreste, areal, mar. Cidades encantadoras, gentes amigáveis. (Hoje estou só pelo lado positivo e amável pois tinha saudades de falar convosco.)
 
A minha primeira leitura de férias foi o primeiro livro que li do Valter Hugo Mãe, A Desumanização. Um portento de sensibilidade e imagética, um desfilar de palavras, sentimentos e pensamentos que pertencem a uma grande autoria e a um grande escritor. Que prazer tê-lo conhecido e ter ganho, desse novo, um novo amigo literário!
 
Neste momento releio, 16,5 anos depois, A Capital, do incomparável e inigualável Eça. Amo lê-lo aqui no campo, amo ter o mesmo, ou ainda maior prazer ao lê-lo agora. Ou não sei, prazeres diferentes. Com 21 anos eu não sou bem o eu de agora, com 37. Assim é, e assim continuará a diferença a ser.
 
À medida que vos escrevi, lá foram a árvores empenham-se em danças loucas, danças de ventanias agrestes, de chuvas insistentes e de gritantes solidões. Amenizar-se-ão depois, para dias bons, em que sob o céu azul fiquem encantadoras e secas, sorridentes  lavadas. Assim seja, que quero ir lá para fora passear!
 
Beijinhos, abraços, umas excelentes férias, umas excelentes pausas, risadas, e uns acutilantes balanços e formulações de exaltantes desejos.