terça-feira, 28 de agosto de 2012

Tamborim Zim entrevista... B Fachada


B Fachada
 (Fotografia de Manuela Pacheco)

Escutem esta Baladona  (B Fachada) - Criôlo:

Não ser mulher não faz falta a B Fachada

Quando ouvi falar dele pela primeira vez não senti o dito do chamamento - embirrei com o nome. Claro que isto deu-se apenas até ao momento de começar a ouvi-lo. Hoje, para mim, B Fachada é sinónimo de canções surpreendentes, discos maravilhosos e ambiências pontuadas de belo e de demanda. A ajudar à empatia, às primeiras impressões  concluí que este menino teria certamente influência do melhor da música popular brasileira ainda que sendo, evidentemente, um original. Mais tarde, soube que estudou Bossa Nova. Rejubilei. É, sem dúvida, o meu compositor nacional preferido neste momento e os seus discos dominam, imperiais, a vitrola lá de casa. Carece de atenção e apuro sofisticado, que isto não é a chinfrineira ensandecida que de imediato agrada a gregos e troianos. É para fruir, camaradas, é para fruir.


Tudo para dizer que foi com indizível alegria que recebi uma resposta favorável ao meu pedido de entrevista ao músico. Agradeço muito a disponibilidade e simpatia do João Santos, da MBARI Música e, claro, do B Fachada, pela gentileza de prestigiarem desta forma o meu blogzim.

Todos os 11 (onze!) discos do B Fachada podem ser ouvidos aqui: http://bfachada.bandcamp.com/ .
Brindo-vos, acima, com uma pérola encantadora do último disco acabadinho de sair, Criôlo, chamada Baladona. Outra das minhas canções preferidas deste disco é Como calha - show.
E abaixo... a entrevista!
"A arte não tem propósito. Começa e acaba em si (...)."
Tamborim Zim -  Não resisto a esta primeira pergunta: imagina-se a protagonizar um tropicalismo brasileiro, com toda a  carga de antropofagia estilística deste "movimento", em português de Portugal?
B Fachada - A noção de antropofagia na cultura brasileira vem do início do século XX e é um dos pilares fundadores para a cultura brasileira e para o carácter dominante que tem vindo a tomar passados estes 100 anos. Nesse aspecto, é difícil para mim ambicionar um alcance equivalente ao do tropicalismo sem ter esse passado fundador (literatura, música, artes plásticas, cinema, etc.) às costas. Claro que estaria a mentir se fingisse que o modelo brasileiro não é para mim o exemplo mais perfeito de como uma cultura saudável deve ser fundada e desenvolvida e que não sinto uma empatia muito especial com a razão e o coração do "trio eléctrico"...
TZ - Os seus discos são bastante diferentes entre si mas reconhece-se uma matriz autoral muito assertiva e formosamente narcisista. Mesmo em segmentos do seu percurso que possam indiciar uma toada melódica e lírica mais temática, como poderá ser o caso de B Fachada é Pra Meninos, a sua ambiência é reconhecível. Como descreveria um ideário que considerasse atravessar fundamentalmente o seu trabalho, ou que pretendesse vincular à sua obra, e veicular?
BF - Mesmo o meu narcisismo (mais ou menos desbragado) se enquadra numa certa frieza e curiosidade formalistas que eu exploro no meu trabalho. Interessa sempre explorar tudo o que possa colocar à canção problemas lógicos nos diferentes planos: no assunto, na estrutura, na noção de autor ou na noção de narrador, na noção de canção, contemporâneo, moda, personagens, etc..
TZ - Tenho muita curiosidade sobre a fruição artística dos artistas e, neste caso, sobre a maneira de ouvir música de um músico. A questão é mais simples para as novidades, mas relativamente a discos antigos de compositores/cantores que admire, ainda os ouve integralmente, em silêncio, por dentro das faixas? Ou passaram a integrar o som ambiente? Estuda-os, disseca-os tecnicamente?
BF - Passo mais tempo a ouvir musica para estudar do que por lazer... Mas claro que tenho aqueles discos que ouço de vez em quando para aquilo que é para mim uma espécie de experiência musical absoluta, só com os ouvidos, sem estar sempre a perguntar "porquê?".
TZ -De que forma compõe habitualmente? Música e letra nascem siamesas, escreve um texto que musica depois, ou dá fala à música com uma letra posterior?
BF - Obrigo-me a ser o mais polivalente possível neste aspecto; quando estou a fazer uma canção por um processo que nunca usei fico mais confiante de que o resultado vai ser diferente do que eu já fiz antes. Às vezes começa pela letra, outras pela música, outras ao mesmo tempo, pelo início, pelo meio, pelo fim, já houve canções que começaram por ser uma ideia de forma, outras uma ideia de conteúdo, outras sem ideia nenhuma.
TZ -Tem um disco seu preferido ou responderá que a todos ama da mesma forma, como filhos?
BF - De uma maneira geral, gosto sempre mais do último que fiz, mas há discos pelos quais tenho mais carinho que outros, mas claro que isso tem mais a ver com razões pessoais que musicais.
TZ - Gostava de saber quais são os músicos que mais admira. Três, ou quatro. E, se não coincidirem, dois ou três cantores.
BF - É difícil escolher assim no geral, mas se tentar concentrar-me na música em português posso dizer que o Zeca e o Alfredo Marceneiro em Portugal e o João Gilberto e o Caetano no Brasil são os quatro pontos cardeais do meu "manual da língua cantada".
TZ - Para além de influências puramente musicais, de que outras impressões estéticas, em geral, e artísticas, em particular, retira inspiração para compor?
BF - Principalmente da literatura. É fácil aprender com os grandes clássicos: são as melhores lições de forma, língua, narração e narrador.
TZ - A arte tem propósito ou é despropositada por natureza?
BF - A arte não tem propósito. Começa e acaba em si: a leitura é que tem propósito. Apesar disso, não considero a música pop uma arte, mas sim uma espécie de artesanato e esse já tem um propósito: representar um espaço e um tempo (da humanidade) muito curtos e com uma grande intensidade. Para que possa ser absorvido por inteiro e ser substituído facilmente pelas gerações seguintes.
TZ - O que é que quer ser quando for grande?
BF - O maior!


* A formatação do texto anda impossível, perdoai leitorado.

2 comentários:

Tétisq disse...

Que grande entrevista, sim senhora...
Gostei da expressão: "manual da língua cantada"...é uma ideia a reflectir.

Este blog reserva coisas muito interessantes...volto com mais tempo, já está em destaque na página do fb do Quadro e na minha pessoal, obrigada pelo carinho e por todos os comentários deliciosos.
bjs**

Tamborim Zim disse...

Tétis, muito obrigada eu! O B Fachada foi um magnífico entrevistado - outra honra p mim:) Beijinhos. Tb "fiz" História, afinidades da Clio (tão falada agora kkk).