sexta-feira, 21 de setembro de 2012

John Wolf na Alegoria da Primaverve

Quem avisa, amiga é, e tinha chamado a atenção para a necessidade dos meus queridos leitores usarem um protetor estelar. Depois de várias entrevistas com que já me presentearam pessoas talentosíssimas e muito gentis, deixo-vos mais uma, ao escritor norte-americano John Wolf, que reside em Portugal há mais de vinte anos. Obras publicadas: Portugal Traduzido (edições Zaina, 2008) e A Reforma do Palhaço (edições Cosmos, 2011). Colabora, ainda, no blog http://oourico.blogs.sapo.pt/ .
 
 
Com o seu olhar fino, humorista e irresistivelmente crítico, John Wolf leva-nos ora à ficção ora à realidade, da fantasia à análise interpretativa de um povo e do seu devir histórico, sendo este último caso o de Portugal Traduzido. Entrevistei-o no meu Facebook, ora leiam:
 
Tamborim Zim entrevista... John Wolf
 
Escritor
“A fuga exprime-se não apenas no efectivo, mas na ténue possibilidade...”
 
TZ -John, muito obrigada por aceitar integrar este famoso ciclo de entrevistas tamborínicas! É irresistível começar por uma alusão ao seu livro Portugal Traduzido, especialmente nesta fase tão crítica: este País não corre o risco de ficar Lost in Translation?
JW - A crise que assola Portugal tem sido predominantemente medida em termos quantitativos, percentuais e materiais. Parece ter havido uma omissão intelectual intencional em questionar a matriz cultural do país que a conduziu a este estado de calamidade. Ao realizar um exercício de reflexão sobre o país, consubstanciado no livro Portugal Traduzido, refiro sem tabus que o país porventura se terá perdido na sua "versão original". Ou seja, os elementos idiossincráticos, os traços que desenham a identidade nacional terão traído o seu progresso e equilíbrio. Numa perspectiva ousada, mas que empresta uma imagem de como o elemento histórico pode condicionar o presente, e se desejarmos interpretar os factos à luz de um paradigma construtivo, poderei afirmar "radicalmente", que a epopeia dos descobrimentos, brilhante do ponto de vista técnico e estratégico, terá tido um efeito nefasto na construção de uma atitude de trabalho ao desvirtuar a ideia de ciclo económico. Descobrir ouro e especiarias, terá contribuído para alimentar no espírito Luso a ideia de atalho económico, de enriquecimento fácil no lugar de um conceito de esforço industrial continuado. Acresce à "presente" noção de plano tecnológico, desprovida de conteúdo, carregada de vanguarda e velocidade, a incapacidade que o país demonstra na sua auto-avaliação e na correcção de alguns vícios de comportamento. As dimensões que analiso são mais profundamente tratadas na minha obra....mas pecaremos sempre pela insuficiência analítica, um processo que tem de ser contínuo e desprovido de preconceitos.
TZ -A menção a uma "versão original" levanta-me outra questão: considera que faz realmente sentido afirmarmos que cada país tem um espírito próprio, uma natureza intelectual e sentimental diferenciada não obstante a homogeneizante globalização em que nos inserimos, ou trata-se de uma ideia mais romântica e que gostamos de manter como uma espécie de conto de fadas de identidade?
JW - No meu entender cada país tem um espírito próprio, uma natureza intelectual e sentimental. Contudo, a consciência dessa resenha ou identidade, é algo que está presente de forma diferente de país para país, numa dinâmica mais ou menos intensa. Nesse sentido e reportando-nos a Portugal, existe um certo saudosismo, orgulho e sentido histórico que comporta elementos de nacionalismo alusivos ao passado glorioso e imperial. Essa noção de passado tem condicionado os movimentos respeitantes ao futuro, na medida em que as ambições por vezes se desmesuram, de acordo com uma bitola de tudo ou nada, de recordes inscritos no livro de Guiness. E esse condicionamento comportamental tem ditado o rumo de um país que ainda não se deu ao trabalho de questionar os seus estilos de vida, a sua cultura e as razões para ter determinada "personalidade colectiva". A globalização é sobretudo um movimento transaccional de bens, mas não de identidades. No entanto, corremos o risco de ver as nossas "religiões políticas" se apropriarem de simbologias com vocação económica mas que nada têm a ver com os valores intrínsecos de uma nação, do folclore e da tradição tantas vezes reclamada sem se perceber para que fim, a não ser o fim em si.
TZ - Deslocando-nos para outro eixo: diz-se que muitos escritores estão sempre a escrever o mesmo livro (exagero que é, no entanto, muito expressivo). Queria saber quais são as grandes ideias ou conceitos indissociáveis da sua criação ficcional.
JW - Os escritores, mortais alvejados pelo passar do tempo, pelas circunstâncias e ideias, procuram eternizar-se e flutuar num éter misterioso, mas por mais magia criativa que possam ter para se distanciarem de si mesmos, a verdade irrefutável manifesta-se na impossibilidade de saltar fora da própria pele e renascer num outro campo fértil, onde uma outra cultura é lavrada. Os livros são a mesma pessoa. A tentativa de explicar o meu conceito criativo seria uma espécie de traição à revelia porque jurei que tal como os animais, os livros também falam sozinhos sem ajuda de aias. Prefiro não conceder o manual de instruções e oferecer um efeito que pode ser retratado pelos mais habilitados; por cada um e por ninguém. A fuga exprime-se não apenas no efectivo, mas na ténue possibilidade...
TZ -Da percepção e vivência das marés internáuticas e de redes sociais como o FB, diria que são espaços que se prestam mais a um comportamento genuíno e até confessional, a espaços, ou a uma feira das vaidades/superficialidades?
JW - A profundidade e a superficialidade são cúmplices de um mesmo engano, da clara decepção do encanto de um ou de outro. A confissão abandonou as paredes e ao fazê-lo deixou de o ser, para se converter noutro paradoxo oportuno, fácil de fazer e desfazer. E o que remanesce depois do mural? A lamentação por não se ter criado valor, que passe de um ser para outro, que instigue a memória, romântica talvez da demora do telegrama, da carruagem parada na pousada para a troca de cavalos, do amor perdido (que assim é que está bem) ao abrigo da vanguarda. E no amanhecer que não existe já não são duelos para nos esgrimirmos de razões, são outras coisas, devaneios de última hora como este aqui e agora.
TZ - "Nunca uma lágrima molhará e-mail ", na inesquecível tirada de Saramago. Zim, mas no despreocupado tráfico de notas, de pequenos bilhetinhos virtuais, ideias, gostos, no contacto inesperado com gentes que de outra forma dificilmente conheceríamos, não circulam também uma humanidade, uma certa puerilidade e uma alegria de descoberta válidas em si mesmas?

JW - Mesmo que aceitemos a ideia de inteligência artificial, representação social e alter-egos recriados no Facebook, nunca teremos uma filosofia digital. A descoberta efusiva do desconhecido que tão bem nos espelha, alimenta também uma noção conservadora de apenas lidarmos com os nossos "semelhantes", aqueles com quem partilhamos gostos e tendências, os que são tão parecidos connosco e que julgávamos não existir. Por outro lado, descortinamos um certo desespero existencial de quem está só e encontra o conforto da anestesia tardia, a altas horas, de ver o que se passa lá fora, cá dentro e no espaço que medeia esse sentimento e outro porventura mais grandioso. A descoberta em si é uma condição precária, insuficiente e mais cedo ou mais tarde a hora do confronto interior terá de acontecer. Por enquanto estamos entretidos e apenas fazemo-lo porque sabemos que queremos ser surpreendidos na rede ou fora dela....
TZ - E finalmente...alguma pergunta a que gostaria de responder e que não tenha sido feita nesta entrevista "entrelida"?

JW - A pergunta que refere jamais será colocada! Quando for apresentada deixará de o ser e deixarei de o ser - um ser expectante, de um lado apenas, incompleto, mas preparado com a resposta errada.

1 comentário:

Pagu disse...

John Wolf, um prazer na leitura e na presença.

Sublime, como sempre.

Grande ideia a tua, Tamborim.

Parabéns.